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A PINTURA DE YOM KIPUR

por Henrique Korman

Yom Kippur, o dia do perdão, é uma data extremamente especial para o judaísmo. Tanto pelo o que simboliza, quanto por sua principal tradição: o jejum. Este ato faz com o dia seja totalmente atípico em relação a todos os outros do ano. E, pra mim, traz muitos significados.

Durante meus 21 anos de vida, interpretei o jejum de Yom Kippur de diferentes perspectivas. Quando criança, considerava um desafio, quase uma prova de resistência de reality show. Na maioria das vezes, desistia. Mas, quando conseguia completar, me sentia um vencedor, digno de estatueta do Oscar. Resistia, mas pelo simples fato de resistir às necessidades fisiológicas.

Com o passar do tempo, amadureci. Entre crises em relação a importância do dia, cheguei à conclusão que representa um ato de resistência muito mais profundo. Vi isso com clareza no ano passado, em que estive em Jerusalém, e pude passar algumas horas desta data no Kotel, ao lado de judeus de diferentes facetas. Percebi que o jejum, mais do que qualquer outro símbolo, faz com que fiquemos unidos, em memória de nossas tradições e pela continuidade do judaísmo. Aqui no Brasil, em que o mundo em nossa volta não para, o jejum se transforma em um marco de resistência ainda maior. Por isso, me alegra ver a sinagoga desta forma, cheia de vida.

Dentre os significados do jejum, acrescento outro em tempo. Ao realizá-lo, me sinto em uma pintura impressionista de Monet. Explico. Claude Monet, um dos pioneiros deste tipo de pintura, reproduzia a natureza em seu estado puro. Ademais, era impressionista, pois retratava uma impressão, um recorte daquele espaço, por meio de uma mistura entre a forma e a cor. Mas, ele não queria que a pintura simbolizasse a paisagem e nada mais. Queria que o quadro estivesse sempre em movimento, ao retratar de forma fidedigna a natureza e todos os seus elementos no instante em que seriam transformados em arte.

Em Yom Kippur, me sinto neste estado puro, em uma simbiose entre meu corpo e pensamento, ao me afastar de todas as minhas necessidades fisiológicas. Através de um recorte momentâneo do meu tempo, reflito, me sinto, me percebo, me entendo mais. Monet, em suas pinturas, não ignorava os eventos casuísticos da natureza, como as folhas caindo, a mudança do tempo ou a falta de luminosidade. Assim como, ao jejuar, não desprezamos nossas imperfeições, nossos erros alusivos ao passado.

Tanto no quadro de Monet como no jejum de Yom Kippur, está neste recorte do estado puro e das imperfeições a beleza. Uma beleza que nos faz aguçar a memória, não esquecer do que passou. Mas que também nos faz seguir em frente, em movimento. Que sempre valorizemos este ato de resistência, belo e vivo, que nos faz lembrar nossas origens, nossos erros e que, assim, dá sentido à nossa existência, na busca da nossa melhor pintura.